Sentir a Igreja
Quase Santos
EXPERIMENTAR E SENTIR A IGREJA - do Cardeal Patriarca de Lisboa
Estes dias em Roma têm sido de uma beleza e profundidade envolventes. Não têm sido um discurso; temos sentido e experimentado o mistério da Igreja, na sua profunda humanidade, embrenhada na história humana, mas ao mesmo tempo movida por aquela força do Espírito que a define como peregrina da eternidade. Estamos todos envolvidos numa experiência comovente: quanto mais profundas e misteriosas as coisas são, mais simples se tornam. E essa simplicidade, própria de quem acredita e de quem confia, revela-se como uma espécie de inocência recuperada.
Experimentámos e sentimos a Igreja como um povo que caminha, no meio dessa multidão imensa, que é a humanidade: um povo que, quando uma força misteriosa o atrai e o dinamiza, avança, sem nada o fazer parar. João Paulo II teve esse dom e essa força, de pôr a Igreja a caminho. Aquelas multidões que, em filas imensas, vindas de toda a parte, atravessaram a cidade durante dias seguidos, movidas apenas pelo desejo de contemplarem, pela última vez, o rosto daquele Papa que um dia, sabe-se lá quando, tinha tocado o seu coração e mudado as suas vidas, eram um símbolo vivo do destino da Igreja no mundo contemporâneo. A Igreja pode ser essa avalanche imparável de multidões tocadas por Jesus Cristo, que se põem a caminhar, desejosas de contemplar o seu rosto e que atravessam a humanidade, gritando a esperança. Deixou de haver lugar para um cristianismo acomodado e passivo. Quem acredita no Senhor ressuscitado, põe-se a caminho, torna-se multidão, traça sulcos de esperança na humanidade e na história, grita com o testemunho silencioso desse caminhar, que o homem é peregrino da eternidade e que Cristo ressuscitado é o termo do homem e da história.
Experimentámos a Igreja na sua humanidade, na qual age e se exprime a força de Deus. O divino no humano! Eis o mistério de Cristo, Filho de Deus feito homem, exprimindo na sua humanidade toda a força criadora e transformadora da divindade; eis o mistério da Igreja, que continua a exprimir, no realismo da sua humanidade, na sua maneira humana de ser e de fazer, a força transformadora do Espírito de Cristo ressuscitado. A “paixão” e a morte de Karol Wojtyla, o Pastor e profeta que muitos olhavam como o “anjo de Deus”, fizeram-nos sentir essa profunda humanidade da Igreja. Não há excepções para o drama humano da vida e da redenção. É preciso atravessar a fronteira da morte, dignificada pela esperança, como expressão de vida oferecida, grão de trigo lançado à terra, na esperança da fecundidade misteriosa da própria morte.
Mas também na densidade destes dias que antecedem a escolha do futuro Papa, se experimenta essa humanidade da Igreja, através da qual Deus continua a agir na história.
Aqui estamos nós, 115 homens que Deus há muito chamou e consagrou para o serviço do seu Povo, a preparar na simplicidade da fé, um acto profundamente humano: votar para escolher aquele que, certamente, Deus já escolheu. Mas não estamos à espera que Deus nos mande um anjo a anunciar a sua escolha. Ele quer que a sua escolha se exprima na nossa. É tudo tão simples e tão sereno. Temos apenas de fazer o que nos é pedido, na simplicidade da nossa consciência, acreditando profundamente que é o Senhor quem conduz o seu Povo.
Este sentir da humanidade da Igreja é um desafio para todo o Povo de Deus, neste início do terceiro milénio e tem a ver com a nova evangelização. A Igreja toda é chamada a acreditar que, pela sua maneira de agir e de estar no mundo, Deus passa ou não passa, porque a acção da Igreja é a única maneira de o Espírito de Deus agir na história dos homens. O Reino de Deus é anunciado e cresce, na medida da nossa determinação em seguirmos, em tudo, o Senhor que nos chamou. A fidelidade dos cristãos é o sal que tempera e a luz que ilumina os novos caminhos da esperança e da salvação.
E, finalmente, sentimos a Igreja na beleza da santidade. Todos tivemos a sensação de que, naquelas exéquias, estávamos a venerar um santo. Os cartazes que, no meio daquela multidão, pediam a beatificação imediata de João Paulo II, não eram episódicos; eram, antes, expressão de uma vaga de fundo, a que os meios de comunicação têm dado voz e que não deixa ninguém indiferente. O Papa que tantas vezes falou da vocação da Igreja à santidade, é um santo. Há já notícias de milagres. Independentemente do ritmo do processo de beatificação, que só o próximo Papa poderá decidir, a vida e a morte de João Paulo II foram um forte apelo à santidade.
Na vigília dos jovens, em S. João de Latrão, na véspera do funeral, um jovem, com a ousadia a que lhe dão direito a idade e a emoção própria do momento, pediu aos cardeais, aos bispos, aos padres, que sejam santos, que lhes dêem o exemplo da santidade. Certamente, sem pensar nisso, aquele jovem compreendeu, à luz do testemunho de João Paulo II, a coordenada principal da evangelização dos jovens: entusiasmá-los a percorrer o caminho da santidade, pois só por aí vale verdadeiramente a pena ser cristão, ser diferente, viver a vida com todas as promessas que ela encerra. Dizemos todos os domingos: creio na Igreja santa. Essa Igreja é a nossa, aquele povo onde entrámos quando nos decidimos a seguir Jesus. Caminhar para a santidade, não exclui, nem dificuldades, nem fragilidades. Basta acreditar e confiar, para aprender a amar “a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”.
Nestes dias estamos todos a sentir e experimentar a Igreja. É ela que vai continuar; só a ela pertence verdadeiramente o futuro.
Roma, 11 de Abril 2005
† José, Cardeal Patriarca
EXPERIMENTAR E SENTIR A IGREJA - do Cardeal Patriarca de Lisboa
Estes dias em Roma têm sido de uma beleza e profundidade envolventes. Não têm sido um discurso; temos sentido e experimentado o mistério da Igreja, na sua profunda humanidade, embrenhada na história humana, mas ao mesmo tempo movida por aquela força do Espírito que a define como peregrina da eternidade. Estamos todos envolvidos numa experiência comovente: quanto mais profundas e misteriosas as coisas são, mais simples se tornam. E essa simplicidade, própria de quem acredita e de quem confia, revela-se como uma espécie de inocência recuperada.
Experimentámos e sentimos a Igreja como um povo que caminha, no meio dessa multidão imensa, que é a humanidade: um povo que, quando uma força misteriosa o atrai e o dinamiza, avança, sem nada o fazer parar. João Paulo II teve esse dom e essa força, de pôr a Igreja a caminho. Aquelas multidões que, em filas imensas, vindas de toda a parte, atravessaram a cidade durante dias seguidos, movidas apenas pelo desejo de contemplarem, pela última vez, o rosto daquele Papa que um dia, sabe-se lá quando, tinha tocado o seu coração e mudado as suas vidas, eram um símbolo vivo do destino da Igreja no mundo contemporâneo. A Igreja pode ser essa avalanche imparável de multidões tocadas por Jesus Cristo, que se põem a caminhar, desejosas de contemplar o seu rosto e que atravessam a humanidade, gritando a esperança. Deixou de haver lugar para um cristianismo acomodado e passivo. Quem acredita no Senhor ressuscitado, põe-se a caminho, torna-se multidão, traça sulcos de esperança na humanidade e na história, grita com o testemunho silencioso desse caminhar, que o homem é peregrino da eternidade e que Cristo ressuscitado é o termo do homem e da história.
Experimentámos a Igreja na sua humanidade, na qual age e se exprime a força de Deus. O divino no humano! Eis o mistério de Cristo, Filho de Deus feito homem, exprimindo na sua humanidade toda a força criadora e transformadora da divindade; eis o mistério da Igreja, que continua a exprimir, no realismo da sua humanidade, na sua maneira humana de ser e de fazer, a força transformadora do Espírito de Cristo ressuscitado. A “paixão” e a morte de Karol Wojtyla, o Pastor e profeta que muitos olhavam como o “anjo de Deus”, fizeram-nos sentir essa profunda humanidade da Igreja. Não há excepções para o drama humano da vida e da redenção. É preciso atravessar a fronteira da morte, dignificada pela esperança, como expressão de vida oferecida, grão de trigo lançado à terra, na esperança da fecundidade misteriosa da própria morte.
Mas também na densidade destes dias que antecedem a escolha do futuro Papa, se experimenta essa humanidade da Igreja, através da qual Deus continua a agir na história.
Aqui estamos nós, 115 homens que Deus há muito chamou e consagrou para o serviço do seu Povo, a preparar na simplicidade da fé, um acto profundamente humano: votar para escolher aquele que, certamente, Deus já escolheu. Mas não estamos à espera que Deus nos mande um anjo a anunciar a sua escolha. Ele quer que a sua escolha se exprima na nossa. É tudo tão simples e tão sereno. Temos apenas de fazer o que nos é pedido, na simplicidade da nossa consciência, acreditando profundamente que é o Senhor quem conduz o seu Povo.
Este sentir da humanidade da Igreja é um desafio para todo o Povo de Deus, neste início do terceiro milénio e tem a ver com a nova evangelização. A Igreja toda é chamada a acreditar que, pela sua maneira de agir e de estar no mundo, Deus passa ou não passa, porque a acção da Igreja é a única maneira de o Espírito de Deus agir na história dos homens. O Reino de Deus é anunciado e cresce, na medida da nossa determinação em seguirmos, em tudo, o Senhor que nos chamou. A fidelidade dos cristãos é o sal que tempera e a luz que ilumina os novos caminhos da esperança e da salvação.
E, finalmente, sentimos a Igreja na beleza da santidade. Todos tivemos a sensação de que, naquelas exéquias, estávamos a venerar um santo. Os cartazes que, no meio daquela multidão, pediam a beatificação imediata de João Paulo II, não eram episódicos; eram, antes, expressão de uma vaga de fundo, a que os meios de comunicação têm dado voz e que não deixa ninguém indiferente. O Papa que tantas vezes falou da vocação da Igreja à santidade, é um santo. Há já notícias de milagres. Independentemente do ritmo do processo de beatificação, que só o próximo Papa poderá decidir, a vida e a morte de João Paulo II foram um forte apelo à santidade.
Na vigília dos jovens, em S. João de Latrão, na véspera do funeral, um jovem, com a ousadia a que lhe dão direito a idade e a emoção própria do momento, pediu aos cardeais, aos bispos, aos padres, que sejam santos, que lhes dêem o exemplo da santidade. Certamente, sem pensar nisso, aquele jovem compreendeu, à luz do testemunho de João Paulo II, a coordenada principal da evangelização dos jovens: entusiasmá-los a percorrer o caminho da santidade, pois só por aí vale verdadeiramente a pena ser cristão, ser diferente, viver a vida com todas as promessas que ela encerra. Dizemos todos os domingos: creio na Igreja santa. Essa Igreja é a nossa, aquele povo onde entrámos quando nos decidimos a seguir Jesus. Caminhar para a santidade, não exclui, nem dificuldades, nem fragilidades. Basta acreditar e confiar, para aprender a amar “a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”.
Nestes dias estamos todos a sentir e experimentar a Igreja. É ela que vai continuar; só a ela pertence verdadeiramente o futuro.
Roma, 11 de Abril 2005
† José, Cardeal Patriarca
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